quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Do outro-amor para o auto-amor


“Aprendi com os meus pais que o casal é a entidade mais importante da vida das pessoas, é a prioridade absoluta, essência da vida e da família, onde deve ocupar um lugar próximo do sagrado.
Aprendi com a minha filha-do-meio que "o amor é lindo, que só o amor constrói", frases que ela repetia à exaustão durante a adolescência.
Concordo inteiramente com eles. Costumo dizer que o amor dá cor à vida, como nos filmes antigos em preto e branco que a tecnologia consegue colorir.

Mas tive que aprender comigo mesma (e a duras penas) uma coisa que nenhum deles me ensinou: há de se pagar um preço pelo amor, como se paga por tudo na vida. Aprendi também que vale a pena pagar para se amar, até onde o "caixa" suporta o pagamento. A partir de um certo ponto, quando o preço torna-se exorbitante, o "caixa" estoura e entramos em falência, tanto do corpo quanto da alma.
Tem gente que adoece de amor, fisicamente. Adoece quando os preços por amar vão além de seus limites, além do que é humano suportar. Tem gente que adoece da alma. E a alma fica doente quando, a partir do amor ao outro, ou do outro-amor, perdemos aquilo que minha mãe sabiamente chamava de dignidade; quando perdemos a integridade como pessoa, a auto-estima, a autoconfiança; quando acreditamos que esse outro-amor é a coisa mais importante do mundo e vale qualquer preço, não importa a dor de quem ama.
E, às vezes, haja sofrimento para se conviver com o ser amado! É quando, apesar de amado, esse ser é fonte de agressão e desrespeito; ou de desvalorização constante à pessoa que o ama; ou de deslealdade, desonestidade, infidelidade, traição. É quando o outro passa a ser estímulo para descolorir a vida, num processo inverso ao dos filmes antigos. É quando viver com o outro é viver um filme em preto e branco; ou cinza, ou pior ainda, um filme negro, um filme de terror.
Costumo também dizer que, apesar das perdas, o envelhecimento e a maturidade trazem ganhos - e muitos. Assim, aos cinqüenta anos aprendi que, mais vital que o outro-amor, é o auto-amor. E que, quando o amor-ao-outro ameaça o amor-a-mim, por mais que doa, é hora de romper. É hora de separar, de desatar os nós do amor - nós, de nós dois; nós, de entrelaçamento; nós, de nó cego, quando o amor cega ao invés de alegrar e colorir a vida. Pois, como dizia Fritz Perls, o mestre da Psicologia da Gestalt, é necessário ter-se muito mais maturidade para romper uma relação desgastada do que para iniciar-se uma nova relação (aliás, como é fácil para alguns iniciar uma nova relação!).
Estou certa de que o amor maior começa com o desenvolvimento da auto-estima. E é às vezes por causa desse auto-amor que torna-se imperativo desamar o outro; ou deixá-lo, apesar de amá-lo. É questão de sobrevivência; é questão de vida ou morte, física e emocional.
Assim, convido a todos para celebrar o auto-amor. Quem sabe decretar um dia para comemorar o amor-a-si? Não temos o Dia das Mães, dos Pais, da Criança, da Secretária e outros mais? Que tal um Dia do Eu? Não, pensando bem, não creio que deva haver um dia para se comemorar o auto-amor. Ele deve ser celebrado todos os dias do ano como única forma de se preservar a saúde, do corpo e da alma. E, se for possível a coexistência pacífica entre os dois amores - a mim e ao outro, isso é o céu, o paraíso, o nirvana. Caso contrário, que prevaleça o amor-a-mim

Anjo

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